Ramom Reimunde, da AGLP, resgata O Bispo Santo, um belo e original produto literário de Álvaro Cunqueiro e Otero Pedrayo
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Trata-se do “romance de Gonçalo Árias, santo e herói”, que ajudou os galegos. A sua história foi redigida, em 1944, por “dois grandes autores em um só heterónimo”.
AGLP. 22/07/2025
Texto: J. Rodrigues Gomes; Coordenação Linguística: A. Cortiças Leira; Produção: Xico Paradelo.
Ramom Reimunde, membro numerário e um dos fundadores e pioneiros da Academia Galega da Língua Portuguesa (AGLP), publicou e começou a difundir neste verão uma versão, em português da Galiza, d’O Bispo Santo. É este um original produto literário, assinado por Álvaro Labrada, pseudónimo sob o qual se acolhem Álvaro Cunqueiro e Ramom Otero Pedrayo, duas figuras centrais da narrativa galega do século XX.
Segundo se esclarece nesta recente edição, o texto d’O Bispo Santo foi assinado em maio de 1944 por Álvaro Cunqueiro, com o pseudónimo de Álvaro Labrada. Porém, “Cunqueiro incorporou ao texto original trechos d’A romaria de Xelmírez do também grande escritor Ramom Otero Pedrayo, traduzidos do original galego de 1933”. Esses trechos de Otero são transcritos nesta nova versão em negrito, assinala Reimunde. “Portanto, eis dois grandes autores em um só heterónimo“, conclui. Esta edição está ilustrada com um desenho da capa, além de um texto de contracapa, de Maria Reimunde. Consta de 114 páginas e é uma edição não venal. Relata as andanças de Gonçalo Árias, bispo de Mondonhedo como peregrino a Compostela, a Roma e a Jerusalém. Afirma-se dele que, numa estada no Ermo (Ortigueira) teve “mil sonhos e visões”. E venceu o demónio mais de cem vezes. Satanás tinha o rosto fino e frio de Peláez, o bispo de Compostela”; ou como, ao regressar de Terra Santa, “quis visitar a sua diocese, do Sor ao Eu, desde Cervo até Meira. Não se fartava de ver a terra, de cavalgar os seus caminhos. Quiçá os seus diocesanos o achavam um bocadinho estranho. Não contavam que o toparam predicando aos corvos nas penhas que hoje chamam Sermão dos Corvos?”
O Bispo Santo trata-se de uma “maravilhosa hagiografia inventada de São Gonçalo, o Santo popular por antonomásia da nossa paróquia natal de São Martinho de Mondonhedo, –de onde a cidade bispal de Vila Maior toma o seu nome–, que celebra a sua festa a finais da Primavera no lugar que chamam O Santo, em uma ermida perto do alto d’A Grela, e ainda outra festa popular teatralizada sobre o falido desembarco normando na praia de Tupide da Ribeira, no porto de Foz, no Verão. As páginas deste livro sobre tão singular Batalha Naval são talvez as mais formosas escritas nunca sobre o mar de Foz”, afirma Ramom Reimunde.
No “Prólogo” d’O Bispo Santo salienta-se por parte de Cunqueiro [Álvaro Labrada] como no livro “conta-se a vida de um bispo dos séculos de ferro”. De um bispo galego que, depois de peregrinar pelos caminhos do mundo e vencer normandos, tendo visto a Deus, morreu tal e como está dito em Juízes, XIII, 22: ‘Os que viram a Deus morrerão’. Conta-se a vida de Gonçalo, dando-lhe o seu lugar à história e à lenda. Não, não é esta uma biografia romanceada; em todo o caso, é o romance de Gonçalo Árias, santo e herói. Deus nos ajudou com ele, aos galegos quando, aterrados, gritávamos o A furore normanorum, libera nos, Domine. As naves normandas ainda hoje afundem diante de São Gonçalo numa vidraça da catedral mindoniense, em um mar vermelho, de um vermelho do “Dies irae”.
“Linguagem limpa que brota como fonte”
Ramom Reimunde Norenha nasceu num 18 de abril de 1949 na paróquia de São Martinho de Mondonhedo, no Concelho de Foz. Na sua formação destacam os estudos na Escola Superior de Engenharia Naval de Madrid, e de Nâutica na Crunha. Atingiu o título de Capitão da Marinha Mercante. Com essa profissão, exerceu em barcos espanhóis e estrangeiros. Posteriormente, completou estudos na Universidade de Santiago de Compostela, tendo-se licenciado em Filologia Hispânica em 1979 e em Galego-Portuguesa em 1982. Tendo trabalhado como docente e investigador no ensino público, em liceus de Viveiro, Lugo e Foz, atingiu a condição de catedrático em 1992. Ramom Reimunde também salienta pela sua atividade de empresário florestal, dirigindo, desde 1989, a empresa Reimunde SAT, que é a editora deste volume O Bispo Santo, de Álvaro Labrada. Resultado dessa experiência empresarial é também O Segredo do Monte, uma história florestal do mato na Galiza.
Ramom Reimunde foi um dos pioneiros da Associaçom Galega da Língua e do Movimento Reintegracionista da Galiza, que procura a restauração da ortografia, morfologia e gramática da língua da Galiza segundo a sua história e a tradição defendida por Castelao e o Galeguismo. Entre a sua produção merecem salientar-se publicações como Cativério de Fingoi. Os anos lugueses (1950-1965) de D. Ricardo Carvalho Calero (2010), um dos estudos da sua especialização em Carvalho Calero. Também Poesia Completa de Leiras Pulpeiro (1983); uma edição de Trebom, de Armando Cotarelo (1984); Bem pode Mondonhedo desde agora (prémio de ensaio Á. Fole em 1998, sobre Leiras). Também escreveu sobre Costumes antigos de Galiza, fez a tradução da banda desenhada de Mafalda (1985), e uma crónica romancística sobre o mar e a pesca do bonito que intitulou A Costeira (2006). Neste último trabalho, resgatou um livro inédito do professor Marcos Loureiro, em que não se sabia se contava uma história, um sonho, um jogo de futebol, uma lenda, um diálogo, uma canção ou um verso “porque era cambiante e sempre inventado, de tema fantástico ou científico”, segundo refere Reimunde. Também tem colaborado na imprensa galega, em especial nos jornais El Progreso e La Voz de Galicia, recolhendo parte da sua produção neste âmbito no volume Com textículos (2010).
A leitura d‘O Bispo Santo, segundo assinala Maria Reimunde “mergulha-nos numa Galiza medieval, mítica e marinheira, numa prosa que respira pedra e erva molhada, traduzido ao galego português com precisão e alma por meu pai Ramom Reimunde, com uma linguagem limpa que brota como fonte”.