O Dia Mundial da Língua Portuguesa salientou a influência e atualidade de Camões na Galiza no 500º aniversário do seu nascimento
A AGLP organizou um ato académico e literário, em que reivindicou maior desenvolvimento da lei autonómica que promove os vínculos da Galiza com a Comunidade Lusófona
AGLP 27/05/2025
A Academia Galega da Língua Portuguesa (AGLP) aderiu à comemoração do Dia Mundial da Língua Portuguesa com um ato público em que salientou a influência, perdurabilidade e atualidade de Camões, quando está a assinalar-se internacionalmente o 500 o aniversário do nascimento do autor de Os Lusíadas. Também reivindicou um maior desenvolvimento da Lei Paz Andrade na Galiza.
Em intervenções académicas participaram no evento o Prof. José Luís Rodríguez, a Prof.a Maria Isabel Morán Cabanas, o Prof. Carlos Quiroga, docentes da Universidade de Santiago de Compostela (USC), e o académico Ângelo Cristóvão Angueira.Seguiu um recital poético dirigido pelo poeta Alfredo Ferreiro, editor do livro em honra de Camões, em que participaram poetas autores de poemas integrados nesse livro: Concha Rousia, Iolanda Aldrei, Pedro Casteleiro, numerários e numerárias da AGLP, e mais outras pessoas.
A AGLP, que faz parte da Comissão Temática de Promoção e Difusão da Língua Portuguesa, dos Observadores Consultivos da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), organizou esta atividade em Santiago de Compostela, sob o rótulo Camões, Classicismo e Poesia. O ato desenvolveu-se na Casa da Língua Comum, sede da Fundação AGLP, em Santiago de Compostela. Foi transmitido através
da Internet, o que favoreceu o seu seguimento por pessoas que se conetaram em diversos países. Pode aceder-se às diversas intervenções nesta ligação (vídeo, abaixo).
A data de 5 de maio foi oficializada para a celebração do Dia da Língua Portuguesa e da Cultura na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), a que a UNESCO aderiu em 2019, instaurando o Dia Mundial da Língua Portuguesa.
Perdurabilidade de Camões
A perdurabilidade e atualidade de Camões na Galiza foi evidenciada nas intervenções do ato académico, e com posterioridade no literário. António Gil Hernández, como moderador do ato, e Ângelo Cristóvão, respetivamente presidente e tesoureiro da AGLP, coincidiram em ressaltar o interesse de que se aplique na Galiza o estabelecido em normas do Governo Autonómico, de 2022, em que se reconhece a possibilidade de uma maior presença da Língua e da Literatura portuguesa no ensino da Galiza.
Gil Hernández pôs em destaque que essa normativa supõe recuperar o que já aconteceu nos inícios da década de 1980-1990. Colocou como exemplo o livro de texto para o ensino obrigatório Literatura Galega 3º de BUP, da autoria das professoras Maria Isabel García Uria e Pilar Fernández Herráiz,com participação de mais docentes, publicado em 1982, que já incluía esses materiais didáticos; e em concreto dedicava o tema sexto (na página 75 e seguintes) a Luís de Camões.
O professor catedrático José Luís Rodríguez referiu-se a aspetos interessantes da biografia camoniana. Lembrou que uma parte dos seus antepassados eram originários de Camos (no Concelho de Nigrám, na Galiza). Também ressaltou as inovações e o êxito na língua portuguesa utilizada na epopea Os Lusíadas, indicando como muitos dos termos utilizados nesse texto literário e que experimentaram mudanças com a passagem dos séculos continuam a vigorar na língua da Galiza. Além disso, aludiu aos problemas que teve a edição da produção de Camões, por entraves colocados pelo Santo Ofício, ou ao atribuir-se-lhe composições que não eram dele.
A professora Maria Isabel Morán Cabanas subordinou a sua palestra ao título Classicismo, Lusismo e Celtismo a partir da Épica Camoniana: dos Lusíadas (1572) aos Calaicos (1894). Esta especialista deteve-se na presença de Camões em produções de Rosalia de Castro, Eduardo Pondal, Manuel Murguia, Eugenio Carré Aldao e, sobretudo, Florencio Vaamonde Lores, autor de Os Calaicos, um poema épico que tomava como modelo Os Lusíadas. Situou em duas colunas versos desses dois poemas para evidenciar as semelhanças.
O professor Carlos Quiroga falou das mulheres na obra camoniana. Principiou com uma referência ao famoso episódio da Ilha dos Amores, d’Os Lusíadas. Esclareceu o modelo de mulher que lhe interessava, e as “originalidades excecionais” que se evidenciam no seu tratamento literário, aludindo a tipos de amor exclusivos na literatura da época e prestando atenção à prostituição, a “Camões no bordel”. Destacou igualmente o tratamento do tema das mulheres no seu epistolário. Pôs em diálogo Camões com outros produtores, como Francisco Manuel de Melo.
O académico Ângelo Cristóvão falou de Camões e o Classicismo.
Camões na poesia galega
No posterior ato literário (vídeo, abaixo), Alfredo Ferreiro confirmou que está a ser ultimado na cidade da Corunha um projeto de homenagem galega a Luís de Camões. Consistirá na edição de um volume que recolherá contributos de escritoras e escritores da Galiza sobre o poeta que ocupa o centro do cânone da Literatura Portuguesa. Como acima se diz, alguns desses contributos foram lidos na sessão, pelo próprio Alfredo Ferreiro, e por Concha Rousia, Iolanda Aldrei e Pedro Casteleiro, que declamaram composições próprias, e outras de Carlos Quiroga, Maria Dovigo, Amado L. Caeiro, Amadeu Baptista e Rosalia de Castro.
Mais português no ensino
António Gil Hernández, presidente da AGLP, valorizou que a recente posta em andamento do Observatório da Lusofonia, promovido pelo Governo da “Xunta de Galicia”, deverá servir para um maior desenvolvimento da “Lei 1/2014, do 24 de marzo, para o aproveitamento da lingua portuguesa e vínculos coa lusofonía”, também conhecida como “Lei Paz Andrade”. Esta lei foi aprovada por unanimidade no Parlamento da Galiza.
Gil Hernández e Ângelo Cristóvão coincidiram em ressaltar o interesse de que se aplique normativa como o Decreto 156/2022, do 15 de setembro, “polo que se establecen a ordenación e o currículo da educación secundaria obrigatoria na Comunidade Autónoma de Galicia”. Esse decreto promove-o a “Conselleria de Cultura, Educación, Formación Profesional e Universidades” e foi difundido no Diario Oficial de Galicia em 26 de setembro desse ano 2022. Nele reconhece-se a possibilidade de uma maior presença da Língua, da Literatura e da Cultura portuguesa no ensino da Galiza1 (veja-se o texto completo, e em especial a epígrafe 16.2 em que se indicam os “Obxectivos”, nesta ligação.
O ato académico e literário finalizou com a leitura do “Poema a Luís de Camões”, de Rosalia de Castro, segundo a adaptação realizada por Ernesto Guerra da Cal na Antologia Poética. Cancioneiro Rosaliano, publicado em Lisboa em 1985 para assinalar o centenário do nascimento da autora galega. Contudo, reproduzimos o original, tomado do artigo de Elias Torres (2013) "Camões e Inês de Castro em versos de Rosalia [...]":
Dend'as fartas orelas do Mondego / E dend’ á Fonte das lagrimas,
Que na hermosa Coimbra, / As rosas de cen follas embalsaman
Do Miño atravesando as auguas doudas / En misteriosas alas,
De Ines de Castro, á dona máis garrida, / Y á mais doce e mais triste namorada,
Do gran Camoens que inmortal á fixo / Contando as suas desgracias,
De cando en cando á acariñarnos veñen / Eu non sey que saudades e lembranzas.
Alá dou froito á pranta bendecida / Con sin igual puxanza,
D’ aqui o xermen saleu, sabeo Lantaño, / Y á sua torre dos tempos afrentava.
Por eso, seica, ¡ou desdichados! sempre / Levache en vos o xermen da disgracia,
Ti, probe Doña Ines, mártir d’amore, / E ti, Camoens, da envidia empesoñada,
Pesan dos xenios na eisistencia dura / Tanto a fama y a groria canto as bagoas.
A que cantache en pelegrinos versos, / Morreu baixo ó poder de mans tiranas;
Ti acabache olvidado e na miseria / Y oxe és groria d’altiva Lusitania.
Ou poeta inmortal, en cuyas venas / Nobre sangre gallego fermentaba!
Esta lanbranza doce, / Envolta n’un-ha bagoa,
Che manda dende á terra ond’ os teus foron, / Un alma dos teus versos namorada.
Santiago, abril de 1880.
Rosalia Castro de Murguia
1.- Na epígrafe 16.2, ao se ocupar dos “Obxectivos” deste Decreto da Administração Autonómica Galega, indica-se: “ Pola especial e preocupante situación da lingua galega, como axuda para a súa recuperación, é preciso que esta alcance, a través da lingua portuguesa, unha maior e mellor utilidade internacional. Débese conseguir que o portugués non sexa alleo ao galego. Para iso, é conveniente que o alumnado, cando estea en contacto coa lingua portuguesa, ben fisicamente ou ben a través das redes sociais e doutros medios de comunicación, entenda oralmente e por escrito –dentro do seu respectivo nivel– esta variedade lingüística próxima á nós. Do que se trata, polo tanto, é de que o galego aproveite a oportunidade da súa estreita vinculación co portugués, tanto no relativo ás súas raíces históricas comúns como aos trazos lingüísticos aínda hoxe compartidos, para avanzar no seu proceso de normalización social, para alcanzar unha maior proxección exterior, o que sen dúbida contribuirá a incrementar o seu prestixio no seo da sociedade galega, e para superar os prexuízos que aínda hoxe dificultan a súa plena aceptación por algúns grupos sociais, sobre todo o prexuízo relativo á súa falta de utilidade. Tal fomento do ensino e da aprendizaxe do portugués está en consonancia coa Lei 1/2014, do 24 de marzo, para o aproveitamento da lingua portuguesa e vínculos coa lusofonía, e coas directrices da Unión Europea relativas ao coñecemento das variedades lingüísticas próximas e, de modo especial, das transfronteirizas, que presentan vínculos históricos e estruturais tan evidentes como é o caso do galego e do portugués.
“Por iso debemos dotarnos de métodos formativos e comunicativos que nos permitan desenvolvernos con naturalidade nunha lingua que nos é moi próxima e que nos concede unha gran proxección internacional.
O galego, como lingua histórica e a través do portugués, é unha lingua universal e policéntrica, cunha evidente diversidade dialectal. Ningunha das súas variedades xeográficas ha de ser considerada máis correcta que outra. É preciso, polo tanto, que o alumnado utilice con propiedade a súa variedade dialectal e que aprenda a distinguir entre as características que obedecen á diversidade xeográfica das linguas daquelas outras relacionadas co sociolecto ou cos diversos rexistros con que un falante se adecúa a distintas situacións comunicativas. Todo isto coa finalidade última de promover o exercicio dunha cidadanía sensibilizada, informada e comprometida cos dereitos lingüísticos individuais e colectivos. Tal como acontece co ensino do español ou do inglés, parece lóxico que o alumnado de lingua galega adquira tamén coñecementos sobre as variedades lingüísticas pertencentes ao diasistema lingüístico común, de maneira especial cando tal coñecemento contribúe de modo eficaz a incrementar o seu repertorio lingüístico e a mellorar a autoestima das persoas galegofalantes”.
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